6 de janeiro de 2016

Aprender a gostar de Tom Waits

O cultivo de árvores de natal é mencionado num poema de T.S. Eliot. É esse o início de um ciclo que agora termina, com o ritual de retirar os enfeites dos ramos já secos, enrolar as luzes e embrulhar as figuras do presépio em papel macio. Depois é só arrastar o pinheiro até ao cemitério das árvores de natal. Por estes dias, há um em cada praça da cidade. As árvores acumulam-se a um canto, sobrepostas, à espera que os serviços municipais venham recolhê-las para um destino final de transformação em lenha. A neve chegou e por isso é mais fácil arrastar o pinheiro pelas ruas. Na entrada da Academia de Belas Artes, um centauro de bronze tem o peito e o dorso cobertos de neve. Começa a ficar escuro. Por ser o décimo segundo dia após o natal, é essa hoje a minha tarefa: arrastar uma árvore pela noite de Viena, com os auscultadores nos ouvidos a aprender a gostar de Tom Waits. Estou quase lá.



22 de dezembro de 2015

A flexibilidade do realismo

Desço a rua e junto à entrada para o bairro dos museus três homens com cabeças de cavalo tocam instrumentos musicais. Dois rapazes gerem uma pequena floresta de árvores de natal num dos cantos da praça. Um pai natal bebe punsch ao balcão de uma barraca de madeira decorada com luzes. Segura ainda num dos braços os folhetos de publicidade por distribuir aos que no final do dia de trabalho procuram as ruas de comércio para comprar os últimos presentes. Alguém colocou um casaco de malha sobre os ombros da rapariga que alimenta os seus gansos junto às escadarias de uma rua lateral. A estátua é também uma fonte, mas ninguém bebe. 


20 de dezembro de 2015

Alt & Neu

O nome da loja sugere um encontro entre o novo e o antigo, mas é um erro. No interior há apenas discos de vinil e CDs usados em caixas alinhadas numa ordem intuída apenas pelos seus frequentadores mais habituais. De facto, a primeira sensação que se tem ao atravessar a porta é a de que a loja foi concebida apenas para frequentadores habituais e que os seus donos não estão interessados em alargar a hospitalidade de modo irreflectido. As conversas interrompem-se e os olhares voltam-se para o estranho que investiga o interior das caixas de pós-punk ou de krautrock. A atitude terá justificação na tentativa de afastar potenciais turistas menos interessados em música do que em conhecer o lugar no qual Julie Delpy e Ethan Hawke ficaram a saber, Antes do Amanhecer, que «there’s a wind that blows in from the north and it says that loving takes this course». A loja fica muito perto da nossa casa e, da última vez que lá entrei, o desconforto levou-me a escolher à pressa um CD dos The Flaming Lips, de que não gostei muito, e outro dos The Afghan Whigs, de que não gostei nada. A esperança é a de que a multiplicação de breves visitas desconfortáveis acabe por transformar-me também num cliente habitual, concedendo-me então acesso à simpatia dos empregados e ao mapa de interpretação dos géneros musicais.


19 de dezembro de 2015

Prolongar a extinção

Samuel Butler dedicou três dos capítulos de Erewhon (1872) à exposição de uma teoria darwinista sobre a evolução das máquinas. Chamou a esse conjunto de textos «The Book of the Machines», no qual previu que, de modo gradual e quase imperceptível, os seres humanos se transformariam em meros instrumentos utilizados pelas máquinas para que estas se tornassem cada vez mais sofisticadas. Seriam eles a alimentar os seus sistemas digestivos com carvão, a reparar as suas partes doentes ou a reproduzirem-nas. Os povos com tecnologias menos desenvolvidas sairiam derrotados nos confrontos com outros grupos e, em consequência, as máquinas por eles criadas seriam extintas.

Em todo o caso, há algo de nostálgico em utilizar uma tecnologia quando todos os indícios sugerem o início da sua obsolescência. Assim tem início este blogue, no momento em que a atenção de quase todos se voltou já para formas mais interactivas de partilha de textos e de imagens. Por enquanto, parece-me ser este ainda o melhor formato para a tentativa de escrita de um relatório intermitente sobre a vida em Viena. É um exercício inútil, mas não mais do que todos os outros a que nos dedicamos para prolongar a extinção.